quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Sobre a necessidade da crítica das fontes

Um dos vários césares romanos foi o afamado Calígula, governante de Roma em um período próximo da crucificação do personagem bíblico Jesus Cristo. Sobre o qual existe um ótimo filme chamado simplesmente Calígula, que deve ser assistido apenas por adultos. Famoso por sua loucura, em todos os níveis imaginários, foi um adversário político da elite romana da sua época, os senadores. Morto violentamente e levado aos livros de História como um insano, péssimo governante. Mas sempre foi amado pelos mais pobres, e a versão dos vitoriosos é a que ficou nas fontes contemporâneas a ele, nas tratadas na ciência histórica como fontes primárias, as essenciais para o ofício do historiador. Muito cuidado quando ler sobre ele.
Na História da América Latina, o caudilho mais ditador e sanguinolento argentino foi Juan Manuel de Rosas. Ele degolava seus adversários, almejava submeter o Paraguai e o Uruguai ao porto de Buenos Aires. Os primeiros a escrever a História de Rosas foram aqueles que o combatiam.  Rosas foi o personagem histórico mais polêmico da Argentina e é bem mais difícil compreender ele do que Calígula. O gaúcho de olhos azuis era um baita bailarino, cavalariano, domador, guitarreiro, grande proprietário de terra e produtor de charque, de couro, chefe dos demais estancieiros e dos montoneros ou farroupilhas que por ele eram acaudilhados. Quando governou, foi o caudilho dos pecuaristas, e por isso mesmo foi responsável por algumas medidas populares. Ele enfrentou interesses britânicos. O que veio até nós, e está registrado nas fontes primárias sobre Rosas, foi produzido através de interesses pessoais, de classe.
O que aconteceu com as versões mais correntes sobre Calígula e sobre Rosas, ocorre com qualquer herói ou vilão na literatura histórica como também na imprensa. Karl Marx, quando era articulista de jornal, escreveu sobre o caudilho Bolívar apoiado em fontes produzidas por adversários do Libertador. Bolívar foi retratado como covarde, mentiroso e terrorista. Faltou Marx ter se olhado pelo espelho para verificar que nem sempre a classe social determina a ação política das pessoas: como ele enfrentou os interesses de muitos pequeno-burgueses, Bolívar desapropriou terras da igreja católica para a construção de escolas e libertou os trabalhadores escravizados. Quem difama, o faz retirando a contradição que está para a História, como a água está, consensualmente, para todos os seres humanos.

1 comentários:

Revistacidadesol disse...

http://grandedazibao.blogspot.com.br/2012/05/karl-marx-simon-bolivar.html

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